
A Paisagem como Política | Exposição individual de Fernando Augusto
A Paisagem como Política é o título de um dos trabalhos desta exposição: um livro desenhado há mais de cinco anos atrás que, agora revistado e redesenhado, define o perfil desta mostra. São 32 páginas de uma paisagem estranha, distante e próxima, habitada por um sentimento que vai da minha primeira exposição, ocorrida em Belo Horizonte, em 1984, à última, que foi minha participação na SP-Arte em 2019.
A exposição de 1984, apresentava uma série de pinturas\desenhos intitulados “Vocês vão pela esquerda, nós pela direita”, com figuras monstruosas, ora gritando, ora conchavando em torno de mesas palacianas, planos diabólicos. Tinha, inclusive, uma intitulada “O Homem Bomba”. Era o momento da abertura política no país, a ditadura militar estava preste a findar e, o grito “diretas já” ecoava pelas ruas, contornando um anseio que o Brasil nunca compreendeu, nem realizou direito. Como estudante, tomei parte nas passeatas que pediam o fim daquele regime, e bradava com os manifestantes esse grito, mas nas telas, dava um grito muito maior, o qual, nunca arrefeceu.
De lá para cá, ou daqui para lá é que me permito perguntar que paisagem é essa? Que política é essa? Tenho a sensação de que ditaduras se sucedem. Comecei então, a desenhar paisagens enquanto recorte da realidade que miramos, enquanto olhar interessado na terra, no país que habitamos, cujo radical a palavra inscreve: pais-agem, (paisagem); e, a política, como regime de confiança, de generosidade e de possibilidades para se viver em sociedade.
Não se trata de uma retrospectiva, mas de um olhar em retrospecto que permite olhar para trás e refletir sobre o trabalho realizado, sobre o caminho percorrido, e ver que meu desenho de hoje carrega aquele mesmo temperamento. É um pouco dessa paisagem que trago para a Galeria Ybakatu neste momento.
F. Augusto – Vitória/ES, 20 de abril 2019
Paisagem como política, 2010/2019
Livro de artista (desenho)
30 x 84 x 3 cm – 32 páginas
Paisagem amazônica, 2019
Aquarela
78 x 101 cm
Paisagem amazônica, 2019
Aquarela
78 x 101 cm
Paisagens sonoras, 2019
60 desenhos em grafite sobre papel, caixa de cedro e vidro
30 x 42 x 5 cm
Esse trabalho se chama Lugares de Escuta ou Paisagens Sonoras. Eu ia para alguns lugares do meu dia a dia e fazia esses desenhos de olhos fechados, registrando graficamente os ruídos. Se era um ruído longo, eu fazia um traço longo, se era um ruído mais baixinho, um traço fraquinho, se era um ruido curto, um traço curto com dois ou três pontos. Toda essa atmosfera de ruídos foi sendo registrada em diferentes lugares de Vitória durante dois meses. É uma espécie de mapa de escuta da paisagem. Embaixo eu descrevo onde eu fiz essa escuta, hora e quando. Agora, dois anos depois, estou revendo esse trabalho e resolvi desmanchar esse registro de texto. Tô apagando um sistema de registro que o desenho tem porque estou achando que ele é um ruído.
Pequenas paisagens, 2019
Carvão e pastel sobre papel Schoeler
25 x 36 cm
Pequenas paisagens, 2019
Carvão e pastel sobre papel Schoeler
25 x 72 cm (dípticos)
Paisagem atlântica, 2019
Carvão e pastel sobre papel
164 x 100 cm (díptico)
Paisagem atlântica, 2019
Carvão e pastel sobre papel
100 x 220 cm
Paisagem próxima, 2018
Carvão e pastel sobre papel
300 x 110 cm (tríptico)
Se não houvesse exposição, talvez não houvesse produção artística. Porque a exposição provoca a criar o objeto de arte, o objeto de arte leva à exposição, e esta constitui um meio, um meio que são colecionadores, admiradores, críticos enfim, e tudo isso participa da exposição. Se não houvesse uma expectativa, um meio artístico, não haveria essa arte. Esse tipo de arte que a gente conversa, em que se constitui um tipo de linguagem, é como construir uma catedral. Você pode rezar, fazer sua oração dentro do seu quarto, mas se a gente vai para uma igreja, vai para uma catedral e essa catedral também fala desses conceitos, é diferente. É diferente ver o seu trabalho exposto numa galeria de vê-lo numa casa. E é bom quando uma exposição ajuda isso a acontecer. O ato de expor, de organizar a exposição, ativa a criação. Possibilita a gente ver o trabalho em conjunto. Expor e fazer essa curadoria te obriga a estabelecer uma coerência do trabalho com o espaço. O espaço atua com o trabalho.
Você me perguntou o que eu mudaria de ontem pra hoje, é verdade, eu acordei pensando. Eu achei que esse trabalho grande na entrada (Paisagem próxima) funcionou tanto que eu teria trazido os outros dois. Sendo um trabalho grande em um espaço pequeno, a pessoa ficaria diante desses quadros, quase dentro, porque não tem distância pra tomar e olhar de longe. Não tem a possibilidade de se afastar. Quando eu estava na Amazônia e queria fotografar tinha muito isso. Não tem distanciamento a não ser que você fique longe, mas, quando você está lá dentro não tem como, não cabe. As árvores tomam conta e fica sendo sempre um detalhe. Então, com certeza eu iria experimentar esse impacto de colocar os dois grandes aqui.
Como descrever tecnicamente essa montagem?
Essa exposição na Ybakatu foi uma oportunidade para eu pensar essas coisas. Eu ia trazer só as paisagens, mas como fui rever o meu trabalho dos anos 80, as primeiras exposições, aquelas figuras, eu fiz uma política reflexiva comigo mesmo, de olhar a minha produção, de pensar a validade dela e o contexto anterior, que era na época da ditadura, e agora pós-ditadura tão pouca coisa mudou. Uma coisa que a gente clamava tanto e pouca coisa mudou. Então, como é que eu fico trabalhando com essas coisas?
Tecnicamente esse trabalho é o carvão, o pastel e o fixador. O fixador entra aqui não como elemento posterior, para fixar, mas como elemento constituinte, porque ele escorre. Eu coloco um excesso de fixador, esse fixador escorre e o escorrimento cria essa atmosfera de bruma. Ele fala do processo, da verticalidade do trabalho, e tem essa sujidade, essa imprecisão que o carvão oferece e que eu busco trazer também na aquarela. O preto e branco do carvão me atende, de certa forma porque é bem direto, não tem muitas nuances e passa um pouco desse drama, que me interessa.
O livro que dá título à exposição tem toda essa carga dramática dos anos 80. Agora eu acho que tem mais essa leveza, essa tranquilidade de não ter necessariamente que me engajar e me filiar a nenhum partido. Eu quero com esse trabalho estar conversando com todos que se interessam pelo país, pelas nossas paisagens, pela possibilidade de viver em paz e travar um bom combate.
O que é a paisagem como política?
Eu desenhei paisagens, não desenhei figuras humanas. É um contraponto ao meu trabalho do começo de carreira, em que eu desenhava as figuras humanas e não tinha paisagens. Naquele instante eu acreditava muito nesse poder da figura e no homem como centro da mudança. Talvez agora eu transfira isso mais para a paisagem. É como se a paisagem tivesse um funcionamento no homem. Nesse momento de descrédito, eu não sinto necessidade de colocar a figura humana nestas paisagens porque eu acho que elas são mais interessantes assim do que com o ser humano. A nossa tarefa em relação a ela é de pensar essa paisagem. O termo paisagem vem de país. No francês ‘paysage’, vem de país, espanhol ‘paisaje’, vem de país, no alemão ‘landschaft’, land é terra, em inglês ‘landscape’, também land, assim como em várias outras línguas.
A paisagem como coisa para a gente ver é uma invenção da arte, porque a paisagem não existia como tema, ela vai se colocando como tema no decorrer da história da arte. A paisagem era para ser vivida. Tanto é que no renascimento, no iluminismo, os grandes jardins é que eram a paisagem. A arquitetura dava conta. Na antiguidade, os jardins da Babilônia. Então, se alguém quisesse falar de paisagem criava aquelas paisagens bonitas, e o jardim era um espaço de pensamento da paisagem. Eu acho que aqui a land art recupera um pouco disso. A paisagem como coisa que a gente vai ver, como coisa que pode ser vista como quadro, passou a ser um tema de certa forma romântico, dado a sentir saudade da sua terra e, mais recentemente, há pensadores que veem a paisagem sempre como recorte, toda a paisagem como recorte, e como tudo aquilo que tem à sua frente.
Tudo que a paisagem pode dizer e a gente pode trabalhar é tão grande, que ao investir nisso, ainda mais nessa paisagem mais figurativa, que tem uma beleza estética, eu acho que foge um pouco dessas propostas mais contemporâneas e fica um pouco mais na retaguarda. A gente fica inventando maneiras de paisagens. Como também faz o artista Francisco Faria, que eu admiro, eu acho que o desenho de paisagem chegou ali e parou. Não dá pra competir.
Ao pensar esse tema e deixar ele sem a figura, e tendo ido à amazônia, e estando próximo agora da mata atlântica, eu penso que desenhando paisagens eu também estou promovendo uma reflexão, uma certa revolução. Acho que ele promove isso porque eu quero pensá-lo de forma humanizada, como se fossem figuras humanas sem a figura humana, que estão ali se relacionando, se abraçando, conversando, se perguntando o que vem aí pela frente. E desenvolvendo essas paisagens, retomo um pouco do que eu já fiz, do procedimento do escorrido, dos tons fechados, os tons intensos.
Construir uma nova paisagem para nós, a partir do pensamento de Brasil, é o que eu chamo de uma possibilidade política. E falo isso sem pensar partidos. Eu acho que ficou muito forte a polarização esquerda direita. A esquerda é isso que a gente viu aí, e a direita é isso que a gente viu aí, e eu não me encaixo em nenhum deles. Logo, como tenho possibilidades, eu tenho um caminho do meio ou vários caminhos do meio. Eu acho que quando a gente vê as nossas paisagens e vê o nosso país, a gente tem que pensar outras possibilidades, e a cultura como um todo. A paisagem não é só aquela coisa doce, calma, é também todo esse perigo que ela traz, de instabilidade, do meio ambiente que está sendo muito transformado, e às vezes ele vem pra nós de uma forma agressiva, as chuvas tempestuosas, os desastres que acontecem.
Então, ao fazer paisagem eu estou pensando isso e estou convidando, como professor também, os alunos a pensar essa paisagem atuante, de ir nos lugares, de se deter diante desse universo sabendo que ele está dando um passo um pouco atrás…
Fernando Augusto dos Santos Neto
Período expositivo: 10 de maio a 08 de junho.
De segunda a sexta, das 10h às 12h, e das 13h30 às 17h.
Fotografia e edição: Gilson Camargo
Galeria Ybakatu
Rua Francisco Rocha, 62 Lj. 06, Batel, Curitiba/PR
Tel: (41) 3264 4752