Água se planta | Exposição individual de Debora Santiago
A exposição “Água se planta” apresenta desenhos em aquarela sobre papel da artista Debora Santiago, no tamanho 50 x 35 cm, criados a partir de 2018, com frases que trazem a discussão da agroecologia, o plantio de alimentos sem uso de veneno e cuidando da vida ao redor.
As frases foram formuladas durante ações que a artista realiza com o público. Nestas ações ocorre a modelagem de pequenos vasos onde, depois de queimados em forno cerâmica, são plantadas mudas que foram trocadas pelos participantes. Também ações com tintas naturais que a artista realiza em situações diversas junto com coletivos da agroecologia. Nas aquarelas sobre papel é usado tinta convencional. Os desenhos foram fotografados e também serão apresentados na forma de cartazes.
Registro das ações com público, que vem ocorrendo desde 2018, utilizando tintas naturais.
Os desenhos com frases e algumas das ações foram desenvolvidas durante o processo de doutoramento da artista na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Em julho de 2020 a artista finalizou a tese “Tudo junto e misturado: ações artísticas propondo processos educativos e modos de participação”.
De 03 de setembro a 07 de outubro de 2022.
Visitas de segunda a sexta, das 10h às 12h00 e das 13h30 às 17h.
Entrada franca.
A série de desenhos/frases foi iniciada em 2018, após algumas ativações da obra “Tudo junto e misturado”, em que pequenos vasos de cerâmica são construídos com o público e posterior troca de mudas e plantio nos vasos. A artista observou a atenção dos/das participantes e cuidado com as plantas, muitas pessoas não conviviam com plantas em seu ambiente doméstico e sensibilizaram-se com a ação de plantio. A frase “Plantar é um ato político”, também se relaciona com as escolhas do que plantar. Num país com grandes áreas de monoculturas, plantar milho, mandioca e banana sem veneno é também uma escolha política.
Desde então a artista vem trabalhando na série, com frases que se relacionam ao seu dia a dia, que inclui atividades de agricultura urbana, passeios para identificação de plantas e ida a feiras agroecológicas. O contato com agricultores e agricultoras são uma rica experiência de troca sobre as plantas cultivadas, muitas delas não estão nas grandes redes de supermercados que buscam uniformizar os produtos, como as batatas-doces que apresentam uma diversidade de cores e sabores: rosas, laranjas e roxas em combinações diferentes com a casca e a polpa, “Viva as cores da batata-doce”.
A troca de saberes proporcionada entre pessoas que cultivam seu alimento com atenção e respeito à toda vida ao redor tem ampliado o conhecimento da artista sobre as hortaliças tradicionais, também conhecidas como PANCs (plantas alimentícias não convencionais). Da capuchinha, planta que apresenta flores comestíveis de diversas cores e utilizada em saladas, também é possível comer suas folhas e sementes, “Da capuchinha come-se tudo”.
As hortaliças tradicionais, ou PANC’s são conhecidas por proporcionarem diversidade na dieta alimentar, valor nutricional e adaptabilidade, já que são plantas que preservam sua rusticidade, e por representarem uma grande herança cultural. Entre elas estão: major-gomes, beldroega, taioba, bertalha, peixinho, ora-pro-nóbis, muricato, almeirão-de-árvore, vinagreira, amaranto, caruru, jambu, cará-do-ar, maxixe-do-reino, serralha, plantas que muitas vezes são vistas como mato, “Mato também é comida”. Essa diversidade de plantas alimentícias nos fornecem os nutrientes que necessitamos, “Todo alimento é funcional”.
Muitas dessas plantas possuem também diferentes formas de preparo. Assim como a mandioca, que mesmo sendo um alimento bem conhecido no Brasil possui vários produtos extraídos dela: farinha crua, farinha torrada, beiju, tapioca, polvilho, tucupi, carimã. A frase “Saudemos a mandioca” é da nutricionista Neide Rigo, que em seu blog “Come-se” comenta e dá receitas dos vários usos culinários da mandioca. Muitos dos usos e produtos extraídos da mandioca fazem parte da cultura alimentar dos nossos povos originários. A cultura de um povo se expressa nos costumes, nas crenças, nas criações e também na culinária, “Comida é cultura”. Conhecer as plantas alimentícias da sua região e seus modos de preparo, saber e poder cultivar e beneficiar seu próprio alimento propicia a soberania alimentar de um povo, a “Soberania alimentar é popular”.
Existem diversas formas de cultivo agroecológico, ou seja, que respeitam a natureza e a vida ao redor. Por isso, “Sem feminismo não há agroecologia”, “Se tem racismo não há agroecologia”, nenhuma forma de opressão deveria permanecer num ambiente em que se buscam trocas justas entre todes.
Dentre os vários modos de produzir alimento de forma agroecológica temos a agrofloresta, um conjunto de técnicas e princípios que reconciliam agricultura e regeneração da paisagem. E o Bem Viver são valores e saberes de povos originários do Sul global que, elaborados a partir da cosmologia e filosofia andina em que natureza e ser humano são indissociáveis, se expressam como afirmação política da possibilidade de modos de vida e como resistência ao sistema moderno-colonial-capitalista. A frase “Agrofloresta pelo Bem Viver” foi criada em parceria com o agricultor Raimundo Dalgbert durante o XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Sergipe.
Nas terras degradadas em que são implantadas as agroflorestas é possível perceber o ressurgimento de nascentes e o reaparecimento de espécies de fauna nativa, por isso muitos/as agricultores/as nessas áreas dizem “Água se planta”.
A artista participou de um projeto com outros artistas em que conheceu a Cooperafloresta, uma cooperativa de produtores agroflorestais da Barra do Turvo (SP) e Adrianópolis (PR) em 2013, e se impressionou com as pessoas que conheceu, agricultores/as que tinham passado por diversas dificuldades com os métodos da agricultura industrial que vinham realizando, como o uso de agrotóxicos e a monocultura e como tornaram-se entusiastas do sistema agroflorestal, “Vamos agroflorestar”.
Muitos dos sistemas alimentares, que dizem respeito a todos os processos relacionados à alimentação, da produção ao consumo, estão profundamente interligados com a mudança e degradação ecológica. Consumir alimentos agroecológicos, para as pessoas que estão conseguindo se alimentar hoje no Brasil, faz parte de uma escolha que interfere nos sistemas alimentares, “Comer é um ato político”. E produzir alimento saudável também tem sido uma escolha política dos movimentos sociais que lutam pela terra, é o entendimento de um cuidado a todo sistema de produção, “Viva o campesinato”.
No livro “As veias abertas da América Latina” de Eduardo Galeano, escrito em 1978, o autor escreve um prefácio para a edição de 2010 em que diz: “As veias abertas da América Latina nasceu pretendendo difundir informações desconhecidas. O livro compreende muitos temas, mas talvez nenhum deles tenha tanta atualidade como esta obstinada rotina da desgraça: “A monocultura é uma prisão”. A diversidade, ao contrário, liberta. A independência se restringe ao hino e à bandeira se não se fundamenta na soberania alimentar. Tão só a diversidade produtiva pode nos defender dos mortíferos golpes da cotação internacional, que oferece pão para hoje e fome para amanhã. “A autodeterminação começa pela boca”.
A percepção da crise climática como uma questão política central da nossa época, e como a produção de alimentos afeta nosso planeta também mobilizaram o processo de criação da artista na série de desenhos. Nesse sentido, os desenhos e as ações vêm sendo realizadas, buscando o engajamento com questões da agroecologia, com o desejo de compartilhar e alimentar experiências transformadoras em outros sujeitos.
Debora Santiago, 2022