ArPa Feira de Arte 2023

ArPa Feira de Arte 2023

Imagina o som!, projeto solo de Washington Silvera na ArPa, propõe uma síntese da pesquisa do artista em torno de obras que remetem a sons. Partindo de um olhar meticuloso e bem-humorado sobre os objetos do mundo, Washington produz trabalhos que desafiam a utilidade daquilo que serviu de inspiração. Ele percebeu que certos objetos, mesmo silenciosos, poderiam emitir sons musicais, ruidosos ou imaginários. Não à toa, neste projeto solo temos dois violões que servem de paisagem e um martelo que não bate pregos.

Washington Silvera é artista multidisciplinar. Trabalha com suportes diversos: vídeo, fotografia, performance, gravura e escultura. Com o recorte aqui realizado, nos cabe tratar da escultura. No caso dele, falar de escultura é indissociável de falar de madeira. O pai do artista era marceneiro e passou esse conhecimento para o filho desde criança. Assim, o trabalho de Washington já surgiu como tridimensional, sem antes ter tido uma trajetória tradicional no desenho e na pintura. No entanto, enquanto artista, sua relação com a madeira é planejada e demorada.

Com Marcel Duchamp, o artista compartilha o interesse pelos objetos cotidianos. Mas Washington os mira para reproduzi-los em outros materiais e em outros termos. Aqui, o material é principalmente a madeira, que se destaca quando se toma seu corpo de obras. E não se trata de uma reprodução dos objetos, pois, na mão de Washington, eles muitas vezes perdem sua utilidade e entram no campo lúdico, do delírio e do sonho. As obras aqui reunidas dançam entre esses campos e, na nossa imaginação, emitem as sonoridades mais diversas.

Com Guto Lacaz, o artista compartilha a abordagem bem-humorada e irreverente dos objetos no mundo ao redor. A partir daí, ambos constroem obras de arte que desafiam a realidade.

As obras estão dispostas em três grupos. O primeiro, e central, reúne a série Objetos acústicos, o segundo aglutina objetos em tese úteis com seus ruídos e estrondos e o último agrupa conchas, que produzem sons imaginários.

A série Objetos acústicos tem todas suas obras feitas de madeira com marchetaria e ferragens, brincam com a escala, o desenho e a função de instrumentos sonoros acústicos — violões, cavaquinhos, bandolins, etc. Eles assumem formas improváveis — derretidas, deslocadas, magras e, até mesmo, de paisagem. Violão paisagem (2019), peça central na exposição, delineia morros e montanhas e faz tocar bossa nova na nossa cabeça. O recortado Violão paisagem 2 (2022) faz soar MPB instrumental nos nossos ouvidos. Os 2 cavaquinhos (2023) inevitavelmente tocam chorinho. Há também o chorão Bandolim magro (2022), que surgiu depois do gordo Bandolim (2013). Já Bob and Dylan (2023) nos leva ao folk norte-americano.

O grupo seguinte remete a objetos úteis ou ferramentas, mas, com suas funções suspensas, eles nos indicam seus ruídos e estrondos. Martelão (2013-2021), composto de retalhos de madeira imbuia, laca e resina, se mostra impossível de ser utilizado, mas seu estrondo ressoa. 3 chances (2019), feito de madeira, resina e metal cromado, ainda reverbera os sons das batidas das bolas de sinuca. 100% amargo (2020) é integralmente feito da amarga imbuia, que afasta pragas. O quebrar dessa barra faz um barulho apetitoso. “La historia de los 2 que soñaban” (2023), escultura em aço inox e ferro, faz uma leitura de conto de Jorge Luis Borges, problematizando como seria se os dois protagonistas resolvessem atingir os lugares dos quais ouviram em sonho. Luva e espelho (2020), escultura em bronze e espelho, mostra luva de boxe que agora está em repouso e silêncio, após anos de violência explícita.

As três últimas esculturas da exposição são conchas da série Seres imaginários. Todas são feitas em madeira imbuia e têm acabamento em laca que nos faz duvidar qual seja o material. Two high castles (2020), Caracol 1 e Caracol 2 (ambos, 2019) nos remetem à infância, quando descobrimos que conchas emitem o som do mar. A explicação científica nunca vai alterar o que sentimos ao posicionar essas peças da natureza nos nossos ouvidos: o mar próximo da gente, não importa onde estivermos.

O projeto solo permitirá entrar em contato com o cerne da poética de Washington Silvera, que gira em torno de dar vida aos objetos do mundo. O artista realiza isso por meio do questionamento da função e de operações com o absurdo e o humor. Aqui destacamos seus objetos que fazem ou poderiam fazer sons. Depois da atenção que demos para as obras dessa mostra, passaremos a dar ouvidos para os objetos ao nosso redor?

Luis Sandes

Washington Silvera – Bob and Dylan, 2023. Série Objetos Acústicos
Madeira e marchetaria
79 x 22 x 18 cm

Washington Silvera – Dois cavaquinhos, 2023. Série Objetos Acústicos
Madeira e marchetaria
130 x 45 x 12 cm

Washington Silvera – Bandolim magro, 2022. Série Objetos Acústicos
Madeira e marchetaria
1,33 x 36 x 10 cm

Washington Silvera – Violão dupla paisagem, 2022. Série Objetos Acústicos
Madeira e marchetaria
1,38 x 23 x 29 cm

Washington Silvera – Violão paisagem, 2018. Série Objetos Acústicos
Madeira, marchetaria e ferragens de violão
110 x 191 x 46 cm

Washington Silvera – Two high castle, 2020. Série Seres Imaginários
40 x 20 x 22 cm (cada)
Madeira imbuia e laca

Washington Silvera – Caracol 1, 2019. Série Seres Imaginários
Madeira de imbuia e verniz
91 x 21 x 21 cm

Washington Silvera – Caracol 2, 2019. Série Seres Imaginários
Madeira de imbuia e verniz
38 x 31 x 31 cm

Washington Silvera – 100% amargo, 2020. Série Minimal Dream
37 x 22 x 4 cm
Madeira imbuia e laca. Ed. 5

Washington Silvera – Martelão, 2013-21. Série Fábulas
89 x 39 x 48 cm
Madeira imbuia, laca e resina

Washington Silvera – Luva e espelho, 2020. Série Fábulas
Escultura em bronze e espelho
17 x 28 x 15 cm

Washington Silvera – 3 novas chances, 2019. Série Fábulas
Madeira, resina e metal cromado
166 x 14 x 23 cm

Washington Silvera – La historia de los 2 que soñaron, 2023. Série Fábulas
Aço inox e ferro. Ed. 1/10
180 x 65 x 5 cm

HISTORIA DE LOS DOS QUE SOÑARON
JORGE LUIS BORGES: Historia universal de la infamia
(Del Libro de las 1001 Noches, noche 351)

Cuentan los hombres dignos de fe (pero sólo Alá es omnisciente y poderoso y misericordioso y no duerme), que hubo en El Cairo un hombre poseedor de riquezas, pero tan magnánimo y liberal que todas las perdió menos la casa de su padre, y que se vio forzado a trabajar para ganarse el pan. Trabajó tanto que el sueño lo rindió una noche debajo de una higuera de su jardín y vio en el sueño un hombre empapado que se sacó de la boca una moneda de oro y le dijo: “Tu fortuna está en Persia, en Isfaján; vete a buscarla”. A la madrugada siguiente se despertó y emprendió el largo viaje y afrontó los peligros de los desiertos, de las naves, de los piratas, de los idólatras, de los ríos, de las fieras y de los hombres. Llegó al fin a Isfaján, pero en el recinto de esa ciudad lo sorprendió la noche y se tendió a dormir en el patio de una mezquita. Había, junto a la mezquita, una casa y por el decreto de Dios Todopoderoso, una pandilla de ladrones atravesó la mezquita y se metió en la casa, y las personas que dormían se despertaron con el estruendo de los ladrones y pidieron socorro. Los vecinos también gritaron, hasta que el capitán de los serenos de aquel distrito acudió con sus hombres y los bandoleros huyeron por la azotea. El capitán hizo registrar la mezquita y en ella dieron con el hombre de El Cairo, y le menudearon tales azotes con varas de bambú que estuvo cerca de la muerte. A los dos días recobró el sentido en la cárcel. El capitán lo mandó buscar y le dijo: “Quién eres y cuál es tu patria?” El otro declaró: “Soy de la ciudad famosa de El Cairo y mi nombre es Mohamed El Magrebí”. El capitán le preguntó: “¿Qué te trajo a Persia?” El otro optó por la verdad y le dijo: “Un hombre me ordenó en un sueño que viniera a Isfaján, porque ahí estaba mi fortuna. Ya estoy en Isfaján y veo que esa fortuna que prometió deben ser los azotes que tan generosamente me diste.”

Ante semejantes palabras, el capitán se rió hasta descubrir las muelas del juicio y acabó por decirle: “Hombre desatinado y crédulo, tres veces he soñado con una casa en la ciudad de El Cairo en cuyo fondo hay un jardín, y en el jardín un reloj de sol y después del reloj de sol una higuera y luego de la higuera una fuente, y bajo la fuente un tesoro. No he dado el menor crédito a esa mentira. Tú, sin embargo, engendro de una mula con un demonio, has ido errando de ciudad en ciudad, bajo la sola fe de tu sueño. Que no te vuelva a ver en Isfaján. Toma estas monedas y vete.”

El hombre las tomó y regresó a la patria. Debajo de la fuente de su jardín (que era la del sueño del capitán) desenterró el tesoro. Así Dios le dio bendición y lo recompensó y exaltó. Dios es el Generoso, el Oculto.

Washington Silvera nasceu em 1969. Expõe desde 1994. Entre as diversas coletivas das quais participou, destacam-se Metaforismos visuais (Ybakatu Espaço de Arte, 2002), Viva a cultura viva do povo brasileiro (Museu Afro Brasil, São Paulo, 2006), Encuentro entre dos mares (Bienal de Valência, Espanha, 2007), Pequeños rituales domésticos (Galeria Cubo, Barcelona, Espanha, 2008), Os olhos mágicos das Américas (Museu Afro Brasil, 2009), O estado da arte (Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 2010) e diversas participações no Salão Paranaense (Museu de Arte Contemporânea do Paraná). Entre suas individuais, destacam-se Consciência expandida (Memorial de Curitiba, 2007), Galeria Abierta (Barcelona, Espanha, 2008), Viu? (Ybakatu Espaço de Arte, 2011), O que dizem as coisas (Museu Afro Brasil, 2012), Inventário (MuMA, Curitiba), Entretempo (Galeria Ybakatu, 2015), TRIO Bienal (Rio de Janeiro, 2016) e Por enquanto (Galeria Ybakatu, 2021). Tem livros publicados sobre sua obra. Suas obras estão em coleções no Brasil, tais como o Museu Nacional de Belas Artes, a Fundação Cultural de Curitiba e o Museu Afro Brasil, e no exterior, tais como o Museu da Solidariedade do Chile e a Coleção Ole Faarup da Noruega.