Na Palma da Mão | Exposição individual de Cristina Ataíde

Na Palma da Mão | Exposição individual de Cristina Ataíde

Em 2012, partindo de Curitiba, percorri um pouco da Serra do Mar com a sua densa Mata Atlântica. A ascensão foi difícil, a paisagem inebriante, a energia envolvente, forte e revigorante. Dessa viagem e de outras feitas pelo mundo, nasceu esta exposição, NA PALMA DA MÃO, em que a montanha está presente quer em desenhos ou em pequenas esculturas.

Os desenhos minuciosos, revelam tanto os cumes bem delineados da montanha ou simplesmente as suas encostas, quase abstratas, por onde podemos fazer a nossa caminhada. As esculturas em bronze ou em alumínio, jogam com a problemática da escala e podemos, talvez, conter o mundo nas nossas mãos.

Cristina Ataíde


Na palma da mão #1, 2016
Alumínio e urucum
7 x 15 x 19 cm
Edição de 3


Na palma da mão #2, 2016
Alumínio
13 x 20 x 32 cm
Edição de 3


Na palma da mão #3, 2016
Alumínio
8 x 19 x 30 cm
Edição de 3

O ser-se peregrino faz parte da condição humana. Não como a ideia de viajante por todo o planeta, mas enquanto símbolo da nossa vida. Esta é uma passagem transitória que pode ser pensada como um percurso, feito de desejos e esperanças, de desilusões e frustrações, de chegadas e partidas. Mesmo se considerarmos o nosso quotidiano, a maior parte do tempo passamo-lo em transito, entre lugares.

Um tema recorrente no trabalho de Cristina Ataíde que nesta exposição tem uma presença forte é a montanha. Nada melhor materializa a ideia da ‘vida em devir’. Ataíde é fascinada pela montanha. Pela experiência física do estar, mas também pela experiência metafísica que aquela pode possibilitar. Cativa-a o ar rarefeito, mas mais puro; deslumbra-se com a pele da montanha; e fica hipnotizada pelo contraste de escalas entre o seu corpo e o corpo da montanha. A montanha incita também ao conceito de movimento. De alguém que confrontado com a extraordinária massa e peso de uma montanha, e convidado a percorrer os seus caminhos, as suas veias.

Filipa Oliveira

M#6, 2008
Bronze
19 x 46 x 14,5 cm
Edição de 3

Mountain House #6, 2012
Mármore branco de Estremoz, ferro e cabos de aço.
23 x 18 x 47 cm.

Montanha #90, 2016
Lápis glasochrom e acrilico s/papel de aquarela
105 x 74 cm

Montanha #86, #90, #91, #93, e #94, 2016
Lápis glasochrom e acrilico s/papel de aquarela
Dimensões variadas

Deriva #6, 2013
Bronze e fio de algodão
2x (22 x 22 x 8 cm) altura variável
Edição de 3

A montanha mágica de Cristina Ataíde

A montanha seduz-nos e nos mete medo por manter-se como um mistério insondável, nascida da vontade derrisória da natureza ao emergir das profundezas da terra em direcção ao céu.

Acontecimento geofísico decorrente de sismos, de ajustes de placas, de vulcões voluntariosos, a montanha nasce da vontade soberana de Hades. É, no entender mito-filosófico, a morada dos deuses, o Olimpo a casa de Zeus, deus dos deuses. É também metáfora das realizações humanas, símbolo individual da existência onde cada humano terá que a subir, quer seja mágica ou não. Os idealistas e românticos alemães fizeram-na o lugar das especulações estéticas e filosóficas. Caspar David Friedrich tornou-a o espaço do sublime inalcançável; Nietzsche e Wagner, o crepúsculo dos deuses; Thomas Mann, apenas metáfora. Assim, a presença e força da montanha exerce uma incomensurável atracção sobre o homem, ceifando vidas de quem a desafia, contudo tornando-se também um espaço privilegiado para autores que a vêem como inspiração continuada.

Cristina Ataíde é um destes autores que vem na montanha algo que transcende do espaço físico ao símbolo e de metáfora, sendo também um mistério em si. Nasce daí então a sua necessidade de percorre-la, dada a necessidade de compreensão da sua natureza física, desde seus acontecimentos – reentrâncias e protuberâncias, concavidades e convexidades, abismos que provocam vertigens, visões, esclarecimentos. As caminhadas de Cristina Ataíde – quer físicas ou mentais – sobre algumas montanhas dão-lhe matéria e insumo para o laborioso exercício artístico. A essa sua prática soma-se ainda o da constante necessidade de registar mental (a memória evocada como experiência fenomenológica) e corporalmente (o esforço físico como componente conceptual) o espaço percorrido. Assim pode tornar estas superfícies em algo palpável, táctil, i.e. em instalações onde combina o desenho, a escultura, a fotografia e a escrita.

A exposição Lugares de deriva nasceu da experiência in situ da artista em visita a algumas montanhas das ilhas dos Açores. Daquela paisagem misteriosa, onde combinam-se paisagens verdejantes – numa verdura que o verde jamais o poderia ser – e agrestes – larvadiana e cinzenta onde veios de fumos estão em constante ascensão para lembrar-nos que tudo está em constante mutação, sempre. As montanhas são pontos perdidos no vasto Oceano Atlântico, erguendo-se aqui e acolá na sua potência de vontade para recorremos ao léxico filosófico de Nietzsche. Desta paisagem romântica e evocativa, feita de mudanças constantes de humores de Gaia, que hora apresenta-se enevoada e lúgubre, hora cristalina e solar que é feita a mostra. Em Lugares de deriva o que faz Cristina Ataíde é imortalizar a (sua) experiência do (seu) corpo nestes lugares e, assim, torná-las a forma inequívoca de arte. Afinal, como enunciou Arthur Schopenhauer, os artistas empresta-nos seus olhos para vermos o mundo.

Paulo Reis
Lisboa, Abril 2009

Cristina Ataíde nasceu em Viseu (Portugal), em 1951. Vive e trabalha em Lisboa. É licenciada em Escultura pela ESBAL, em Lisboa, e frequentou o Curso de Design de Equipamento da mesma escola. Foi diretora de produção de Escultura e Design da Madein, de 1987 a 1996, onde trabalhou com vários artistas, como Anish Kapoor, Michelangelo Pistolleto, Keit Sonnier e Sergio Camargo. Para mais informações, acesse www.cristinataide.com.

De 20 de maio a 30 de junho de 2016.
De segunda a sexta, das 10h às 12h30 e das 13h30 às 17h.

Fotos: Gilson Camargo