Taxonomia | Exposição individual de Glauco Menta
Na exposição Taxonomia, o artista Glauco Menta nos apresenta pinturas com tinta acrílica sobre tela, e esculturas em cerâmica.
A palavra “taxonomia” vem da formação de “taxos” (ordem, arranjo, classificação) com a palavra “nomos” (lei). Seria algo como “uma ordenação ou classificação das coisas”. A palavra já era usada em áreas científicas carregando a ideia de uma classificação de seres, de coisas da natureza, e depois de palavras. Ganhou notoriedade e um novo sentido a partir de um uso em particular dado a ela por Michel Foucault, que passa a usar o termo para o saber ou o discurso.
Em séries anteriores o artista já tinha apresentado amebas como objeto de pesquisa pictórica e discursiva. Trata-se de um processo que já percorre alguns anos. No entanto, em “taxonomia”, Glauco Menta dá um salto em dois sentidos nessa investigação: primeiramente há um amadurecimento formal na pesquisa das formas das amebas; em segundo plano, há um amadurecimento na pesquisa em si das amebas e seus limites de representação, um querer dizer.
As formas ameboides são encontradas não apenas nos estudos naturais, como é o caso da citologia e da histologia. Nas pesquisas do artista — sempre preocupado em lidar com signos, sistemas e marcas da brasilidade, ou dos discursos sobre a brasilidade — a forma ameboide fora encontrada na pintura, na escultura, na arquitetura. Não é a primeira vez que o artista resgata elementos pictóricos do modernismo de Tarsila do Amaral e elementos formais do concretismo na arquitetura, notadamente a arquitetura brasileira mais conhecida mundo afora, a arquitetura dos anos 1950-1960. Aqui, no entanto, ganham um novo teor, uma nova camada, usando um recurso que pode ser entendido como uma parataxe. Tais formas e práticas do fazer estético (nas artes plásticas e na arquitetura, áreas que por vezes têm forte diálogo) não são abordadas pelo artista de forma direta. Há de se mergulhar em seus trabalhos para decifrar o que essa presença pode vir a dizer ali. Se essas formas têm a dizer algo sobre o país, se as cores fortes são as mesmas da chita ou as do corpo do boi-bumbá, se o modernismo ali é questionado quanto a seu processo e a seu discurso, se existência do objeto se projeta como sombra na parede, etc., porque tem um volume e uma “presença” tangível, cabe a quem vê decidir.
Na exposição, há uma conversação entre o plano e o tridimensional. O artista dá seguimento a esse vínculo possível. Mas agora o arco está mais sólido e mais intenso. Um trabalho bidimensional ilumina o tridimensional e vice-versa e assim deve ser apreciado.
Há a inserção da linha reta e de interferências na planitude colorida das formas. As linhas e as pequenas interferências, orgânicas no caso, trazem uma investigação nova, mais uma peça no puzzle montado pelo artista nos últimos anos e nas séries anteriores.
Outra características típica da pesquisa estética do artista é o rigor com a forma. As pinturas continuam sendo feitas com inúmeras demãos, umas sobre as outras, de modo a desaparecerem as transparências possíveis do suporte. A escolha foi pelo acrílico. Já as formas cerâmicas (em que predominam geralmente um só tom), levaram meses para serem feitas. O processo lento e rigoroso (com muitas perdas pelo caminho, dada à singularidade do fazer cerâmico) permitirá ao visitante a verificação dos limites entre pintura e escultura do artista, que começou seus trabalhos nos anos 1980, em Curitiba.
Por último, mas sem esgotar a questão, há de se prestar atenção justamente no uso da parataxe nas obras, em que as imagens se sobrepõem, às vezes com elementos que as fazem tocar-se e, em outras, não. A parataxe, no trabalho do artista, é um elemento simbólico que é usado desde o começo de sua carreira. Aqui, a parataxe se dá em diversos planos, seja no diálogo “interno” nas peças, seja no diálogo entre elas. O diálogo frequenta ao mesmo tempo a cor, a forma, o discurso que percorre e fundamenta esses trabalhos.
Benedito Costa, fevereiro de 2020
De 11 de março a 30 de outubro de 2020
Fotos: Gilson Camargo